Série: Legados da Reforma Protestante (Parte 3)



COSMOVISÃO REFORMADA: Um Jeito Novo de Interpretar o Mundo


Neste ano comemoramos o 500º aniversário da Reforma Protestante, movimento histórico-eclesiástico ocorrido na Alemanha, em 31 de outubro de 1517. Tal movimento não só alcançou toda Alemanha, mas também, outros países da Europa como Suíça, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda. E não parou aí. A Reforma Protestante não se limitou a um movimento eclesiástico. O Pensamento Reformado, principalmente a partir de João Calvino, alcançou todo o mundo ocidental, exercendo uma forte e contundente influência cultural, social, educacional e religiosa.
Nesta série, os legados da Reforma estão em foco. Uma herança reformada consistente é o que os grandes reformadores deixaram para a nossa geração. Já tratamos sobre o descobrimento e valorização das Escrituras Sagradas e do retorno ao culto teocêntrico. A Palavra e o Culto são dois pontos fundamentais defendidos pelos reformadores. A Escritura é o elemento norteador do culto a Deus. E a essência do culto é a exaltação do Deus da Palavra, mediante exatamente a própria Escritura. Está nos impulsiona ao culto, o qual, por sua vez, nos leva de volta àquela.

Hoje, neste trilho, pontuaremos outro grande legado da Reforma, a cosmovisão reformada. Cosmovisão é o modo como interpretamos o mundo à nossa volta. É como enxergamos as coisas, determinando nossos pressupostos e motivando nossas posturas. Todos temos nossos pressupostos e o motivo próprio pelo qual tomamos alguma decisão. A questão importante aqui é qual é a sua cosmovisão? Quais são os “óculos” que você tem usado? Quais são as “lentes” pelas quais você tem usado para enxergar e interpretar o mundo? Quais valores morais e religiosos você tem defendido? Qual tem sido sua ética nas decisões? Estas questões determinarão qual é sua cosmovisão. E a sua cosmovisão determinará as fontes que irrigam seu coração.

A Reforma Protestante mostrou ao mundo, seguindo a fé apostólica, qual é o modo mais seguro de se discernir as coisas. As lentes convincentes para se interpretar todas as coisas, segundo os reformadores, são a própria Escritura Sagrada. Aqui está o ponto principal deste post, a visão espiritual, aquela revelada na Palavra de Deus, é o resultado direto da cosmovisão cristã. O discípulo de Cristo interpreta o mundo segundo a visão do próprio Mestre – Jesus. A Bíblia Sagrada nos oferece uma avaliação segura sobre o certo e o errado, sobre decisões em cada situação da vida. Os valores morais, emocionais, sociais são pautados pela Escritura.

A soberania de Deus é o carro-chefe desta forma de interpretar o mundo. Ele é o Rei dos reis, Senhor dos senhores. Ele tem o controle de tudo nas mãos, nada lhe foge da sua santa, justa, fiel e piedosa direção. Como cristãos, devemos ver o mundo como extensão do domínio de Deus! A Escritura é a revelação especial da vontade do Rei sobre todos. A sua vontade libertadora é o padrão de conduta excelente para o discípulo de Jesus. O mestre deixou-nos o seu próprio exemplo! Defendemos o que a Escritura defende. Acusamos o que a Escritura acusa! Abrimos mão de tudo aquilo que desagrada e ofende ao Mestre. Depositamos em nosso coração tudo aquilo que o Mestre nos aconselha como bom. Este modo de viver, pensar, sentir, reagir é cosmovisão. E esta cosmovisão foi defendida pelos reformadores. A cosmovisão reformada nos capacita ao discernimento segundo a Escritura. Julgar todas as coisas pela medida da Palavra de Deus.

Não é mais a visão mundana, terrena, mesquinha, interesseira, orgulhosa, egoísta, idolátrica que rege as decisões, emoções e reações do coração cristão, e sim, certamente, a Palavra. E estes valores sagrados são semeados, cultivados e frutificados pelo Espírito Santo. É Ele quem ilumina os olhos dos genuínos discípulos a enxergarem a Escritura, seus valores, e a interpretar o mundo segundo o coração de Cristo. O cristão vive a partir de uma visão superior, espiritual, altruísta e escatológica.

O discípulo é aquele que faz tudo para a glória de Deus. Tudo é dele, por ele e para ele! (Rm 11:36) Tudo o que se faz torna-se um culto que engrandece o nome do Senhor. Não há mais a separação monástica, medieval do “sagrado” e do “profano”. O culto a Deus é expresso por tudo que fazemos, pensamos, sentimos, desejamos e como reagimos. Este culto a Deus tem três aspectos: a) pautado na Escritura (os valores bíblicos regem o coração); b) tudo deve ser feito excelentemente (Deus merece sempre o melhor – testemunho, obra, palavras); c) Deus aceita o culto quando o coração está conectado com a piedade (culto espiritual – “em espírito e em verdade”).

Veja algumas anotações de Calvino sobre este assunto:

“Pois, assim como os olhos, ou toldados pela decrepitude da velhice, ou entorpecidos de outro defeito qualquer, nada percebem distintamente, a menos que sejam ajudados por óculos, de igual modo nossa insuficiência é tal que, a não ser que a Escritura nos dirija na busca de Deus, de pronto nos extraviamos totalmente.” (CALVINO, As Institutas (Ed. Clássica), São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 164. [I.xiv.1]).

- “A Palavra de Deus, a única norma do genuíno discernimento, a qual é aqui declarada como indispensável a todos os cristãos.” (CALVINO, Exposição de Hebreus, São Paulo: Ed. Paraketos, 1997, p. 143. [Hb 5:14]).
- “A Escritura é a escola do Espírito Santo, na qual (...) nada é ensinado senão o que convenha saber.” (CALVINO, As Institutas (Ed. Clássica), São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 386. [III.xxi.3]).
- “Ele (o Espírito Santo) nos ilumina com a sua luz para nos fazer entender as grandezas da bondade de Deus, que em Jesus Cristo possuímos. Tão importante é o seu ministério que, com justiça, podemos dizer que é a chave com a qual são abertos para nós os tesouros do reino celestial; a sua iluminação são os olhos do nosso entendimento, que nos habilitam a contemplar esses tesouros. Por isso, ele é agora chamado de penhor e selo, visto que sela em nosso coração a certeza das promessas. Como também agora é chamado de mestre da verdade, autor da luz, fonte de sabedoria, conhecimento e discernimento.” (CALVINO, As Institutas (Ed. Especial), São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2002, p. 96. [II.iv]).

Veja ainda o que diz a Confissão de Fé de Westminster:

- “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a sua própria glória, a salvação do homem, fé e vida, ou é expressamente declarado na Escritura, ou por boa e necessária consequência, pode ser deduzida a partir da Escritura.” (MARRA (Ed.), São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991, p. 8 [I.vi]).

            O Rev. Hermisten Costa finaliza:

- “Somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma. Para nós, como para os Reformadores, a Palavra de Deus é fonte de autoridade de Deus para o nosso pensar, crer, sentir e agir. A Palavra de Deus é suficiente.” (COSTA, João Calvino 500 anos – Introdução ao Seu Pensamento e Obra, São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2009, p. 69).

- “Calvino, com sua vida e ensinamentos, contribuiu para forjar um tipo novo de homem, ‘o Reformado´, que vive, no tempo, a plenitude para a glória de Deus. ‘O verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a seguir: não obedecer ao próprio Calvino, mas àquele que era o mestre de Calvino.” (Ibidem, p. 398-399).

Portanto, busquemos o discernimento espiritual, pautado em uma cosmovisão sadia, madura, bíblica, abençoadora e, como dissemos, libertadora. Tudo seja para a glória de Deus. Nosso coração, nosso pensar, nossas decisões, nossos sentimentos, nossas ações e reações – tudo! – sejam a partir das lentes da Escritura, para o agrado e adoração do nosso Deus!


Por: Reverendo Marlon de Oliveira.


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